Injúria racial em escola municipal

Jovem vítima de injúria racial em escola municipal é indenizada, mas ainda se ressente: ‘Passei a ir só de cabelo preso’

Bernardo Mello

“Se ele ou outros professores quiserem fazer atos racistas, não é uma indenização que vai pará-los”. A frase é da jovem X., vítima de injúria racial dentro da sala de aula de uma escola do município do Rio em novembro de 2014, quando tinha 13 anos. O autor dos comentários foi seu professor de matemática, que chamou os cabelos da garota de “sarará” e “ruim”. Ele tentou justificar as ofensas como “brincadeira” antes de pedir afastamento da rede municipal.

Na última quinta-feira, o 3º Juizado Especial Fazendário do Tribunal de Justiça do Rio condenou o Município a pagar R$ 12 mil em danos morais para a menina e sua mãe. O dinheiro, contudo, não apaga o impacto das palavras na vida da jovem.

— Ele nunca tinha feito comentários racistas, mas fazia brincadeiras de mau gosto, como dizer que as meninas eram gordas. Aquilo foi um momento de vergonha para mim. Fiquei com vergonha de tudo, passei a ir só de cabelo preso para a escola. Hoje eu me cuido muito mais do que me cuidava antes, para ver se aquilo não acontece de novo — conta a menina.

O caso aconteceu em novembro de 2014, em uma escola municipal no Méier, na Zona Norte do Rio. De acordo com o relato da jovem, o professor repreendia a menina por não ter feito dever de casa e disse a seguinte frase: “Você fica mexendo no cabelo que já não é bom, porque é sarará”. Quando a menina, constrangida, pediu para sair de sala, o professor perguntou: “Seu cabelo é bom? Se a minha fala te atingiu é porque é ruim”. Na sentença, o juiz Luiz Eduardo Cavalcanti Canabarro escreveu que “inexistem dúvidas quanto à ocorrência dos fatos narrados”.

‘O município passou a mão na cabeça dele’

Segundo a mãe, que prefere não se identificar, o professor chegou a alegar que a menina tinha problemas com o pai, em sua declaração na sindicância aberta pelo colégio. Ela lembra que temeu pela autoestima da filha, e por isso pediu indenização por danos morais.

— O município passou a mão na cabeça do professor. Ele só recebeu uma repreensão. O processo administrativo foi arquivado sem que eu, como parte envolvida, fosse avisada. A decisão saiu só no Diário Oficial e, quando eu soube, já não podia mais recorrer. Trataram a atitude dele como uma situação normal — critica.

Embora a sentença favorável à indenização já tenha saído, a Procuradoria Geral do Município, a outra parte envolvida no caso, afirmou em nota que “aguarda ser notificada da referida decisão para se pronunciar”.

— O professor admitiu o ocorrido e formalizou desculpas à menor e à mãe. Ele tentou se justificar, disse que não é racista porque tem parentes negros. Logo depois, pediu exoneração e deixou a rede municipal — conta o advogado João Darc Souza, que defendeu mãe e filha no caso.

A menina afirma que, pouco após o ocorrido, o professor de matemática enviou um recado através de outra professora: pedia que fosse retirado o processo movido contra ele, “porque delegacia é lugar de bandido e ele só tinha feito uma brincadeira”.

Apesar das cicatrizes emocionais, a jovem decidiu seguir mais um ano na escola graças ao apoio dos amigos, que a defenderam durante o episódio. Em 2016, vai cursar o Ensino Médio em outra unidade.

— A coisa só não tomou uma proporção maior porque a turma ficou a favor da minha filha, em vez de entrar naquele ritmo de chacota — conta a mãe. — Mas ela sempre lembra desse episódio. Há pouco tempo ela falou para mim: “Mãe, tomara que no próximo colégio não tenha professor que gosta de humilhar”.

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